Velejando Melhor - Teoria e Técnica de Vela

Tuesday, November 07, 2006

VELEJANDO MELHOR - Teoria e Técnica de Vela

“Muitos anos velejei sem saber exatamente o que estava fazendo ...”


Com o barco na poita, velas içadas, panejando levemente numa brisa, se largamos as amarras com as escotas caçadas numa tensão qualquer, o barco se afastará derivando e forçosamente pegará seguimento para a frente. Aí o iniciante concluirá: “Já sei velejar!”.
É o que geralmente acontece, embora possa parecer exagerado...

Com o passar do tempo, porém, ele vai vendo que os outros barcos de mesma categoria, da mesma classe, andam mais e estão com melhor “aspecto”.

É a partir desse instante, dessa constatação, que começa o interesse em saber ajustar as velas, empregar corretamente o aparelho, procurar saber as causas e como contornar os problemas. Como conseguir velejar corretamente? O meu barco anda menos porque os outros barcos é que são bons. Será? Estarei velejando certo? Como saber o que é o certo?
A partir destas perguntas é que se começa realmente a aprender.

As velejadas curtas passarão a ser mais como treinamento para as regatas de fim de semana, como um teste, com maior atenção nos ajustes, vendo o barco ganhar velocidade. Os cruzeiros serão feitos com mais atenção aos ajustes, antes feitos sem lógica, sem nenhum critério; o barco renderá bem mais, a velejada trará bem mais satisfação.

Se bem que os objetivos de cruzeiristas e regatistas sejam um pouco diferentes, não resta dúvida que a primeira preocupação em qualquer caso deve ser a de conduzir a “máquina” de maneira correta, da melhor forma possível, seja ela de regata ou de cruzeiro.
E isto deve ser feito conscientemente, sabendo-se exatamente o que se está fazendo.

Velejar não é um mero passatempo, um simples esporte; é uma atitude mental, envolvente e que exige muita dedicação, muita perseverança; é um esporte que fascina. Por ser um esporte extremamente técnico, exige muito estudo, muitas horas queimando a pestana...
É uma ciência, cheia de conceitos, regras e leis, que devem ser seguidas, estudadas e principalmente praticadas.

Velejar, em regata, em cruzeiro ou em simples passeios, pressupõe dominar a técnica de vela.

Não há dúvida de que todo grande velejador se esforçou muito, treinou muito e estudou muito para progredir no esporte (embora alguns procurem transparecer que aprenderam por osmose ou por inspiração divina...). Mas isto é mais uma desculpa para não ensinar. Quanto mais você estudar as partes físicas que interferem no barco como um sistema, melhores resultados alcançará. E o principal é não ter que decorar os ajustes, uma vez que tudo tem uma lógica.

As regatas não são ganhas na sorte...

Em qualquer esporte a dedicação é de grande importância para o desenvolvimento individual. Mas, não precisamos sair por aí “desbravando” tudo; alguém já fez isto por nós. Pelo menos, desde 1720, com a criação da primeira associação de vela na Inglaterra, cem anos depois do primeiro barco esportivo ter sido construído.

Inicialmente, velejando em águas abrigadas, em cruzeiro ou em regatas, o desenvolvimento no esporte é progressivo; depois, o primeiro patamar é atingido e nele muitos ficam satisfeitos. Afinal, barco foi feito para diversão, alegam; “para que complicar?”...

Para mergulhar, basta uma máscara com respirador, pés de pato (nadadeiras) e fôlego; o mar poderá começar a ser esquadrinhado. Mais tarde, um arpão, uma faca presa à perna para segurança. Em seguida as roupas, as garrafas, já estarão na mira ou, talvez, um narguilé (compressor com filtro, etc.). Daí, o desenvolvimento terá que ser orientado. Um curso básico de mergulho se impõe. Depois, poderá ter prosseguimento num curso avançado, salvamento e primeiros socorros, curso de mestre e de instrutor, para os mais aguerridos. Mergulho em cavernas, em naufrágios, fotografia, filmagem e vídeo, etc. Os equipamentos, roupas, coletes, instrumentos, lastros, etc. Quem desejar um rápido desenvolvimento, com segurança, deverá freqüentar cursos, que hoje existem muitos e bons. Antes, tínhamos que nos safar com revistas estrangeiras e o livro de Santarelli.

O pára-quedista aprende a dominar o pára-quedas no ar, a técnica da queda livre, as posições, os retardos, o cálculo do desvio, a sustentação, a meteorologia, o vento de camada, os modos e as posições de aterragem, uma excelente forma física, um grande número de saltos, regras de segurança, cálculos de desvio, enfim, uma serie de requisitos imprescindíveis, os detalhes indispensáveis; um instrutor é de todo aconselhável, claro. Mas, nada impede de você “vestir” o pára-quedas e saltar sem saber nada, no peito; o pára-quedas abrirá e você se safará na aterragem, o que a forma física ajudará bastante. Mas, há de reconhecer que está errado. O mesmo diríamos para o vôo livre, etc.

O alpinista necessita de uma grande forma física, uma parte teórica seguida de prática até que os detalhes sejam assimilados. Muitos pensam que é só subir em pedra como lagartixa; outros julgam que é uma caminhada um pouco mais íngreme.
Você pode colocar os melhores atletas no campo-escola que nenhum escalará as pedras dos diversos graus de escalada se não forem ressaltados e treinados os detalhes de cada uma; são os macetes.
Equipamentos, detalhes vitais de emprego, cuidados. Exercícios físicos especializados. Técnicas de escalada; lenta progressão nas modalidades e graus de escalada, também para acostumar os nervos; regras de segurança. Um instrutor guia de escalada, faz-se de todo necessário.

A equitação exige uma enorme dedicação e uma larga faixa de conhecimentos; é um esporte complexo e que exige muito esforço do praticante. E muita paciência. Uma faixa enorme de modalidades. Sem dúvida, não ter um instrutor é ficar estagnado num patamar por muitos anos... Muitos pensam que é só passar a perna e sair “andando”, galopando...

E assim poderíamos citar uma infinidade de modalidades de esportes, com a preparação racional, com a parte técnica sobressaindo, uma parte prática intensa e a necessidade de enorme gama de requisitos, esforço contínuo, persistente, etc.

Daí, a importância de um técnico, um treinador, e por aí a fora.

É interessante lembrar que não só no campo esportivo acontece isto; em qualquer atividade sempre será exigida uma grande dedicação, muito estudo e muita prática.

Como último exemplo, podemos lembrar o músico; quantas horas dedicadas ao estudo teórico, prática no instrumento, audições, etc. Ao escutá-lo tocar, não se pensa em nada disso, achando que ele aprendeu tudo naturalmente, é um “artista”. É claro que os virtuosos levarão vantagem, mas com dedicação e força de vontade será sempre possível obter grandes resultados. Baden Powell, o nosso grande violonista, numa entrevista na TV, declarou que estudava 8 horas por dia e o violão tomava todo o seu tempo, até dormindo...

E por que seria diferente com referência ao iatismo? Se você quer apenas “andar” de barco à vela em águas abrigadas, procure ao menos melhorar um pouco os ajustes, após algumas leituras da parte que achar mais interessante; logo estará vendo os benefícios... o barco melhorando, mais veloz, bem ajustado, criando alma nova e você pegando confiança, dominando a máquina com segurança. Mesmo que ela seja de cruzeiro, tem que ser mareada corretamente; valerá a pena...

Se pretende ganhar regatas ou efetuar grandes percursos, este resumo será apenas o começo; você terá que estudar muito mais, tanto nos livros e, principalmente, nas revistas nacionais e estrangeiras; praticando no barco, sempre. E, naturalmente, um técnico será de grande valia.

Cada nova vela, com corte diferente, radial ou misto, com características mais caprichadas pelo fabricante, será motivo de observação, de experiência.

Tudo começa, com um simples, mas decisivo detalhe: o interesse em aprender. Sem interesse, não se aprende nada e muito velejador antigo nem desconfia do quanto terá pela frente para pelo menos completar o básico, o mínimo indispensável. Como aprendeu?

Ninguém nasce sabendo e mesmo os gênios necessitam de um impulso inicial.
É claro que um curso por si só não é suficiente; você terá que velejar muito, observar muito.

Certa vez, numa roda de velejadores na Marina da Glória, um conhecido velejador afirmou que para saber velejar não havia necessidade de estudar, bastando praticar no barco, seguindo as regras dos ajustes: velas “aparando” o vento. Geralmente, é o que se imagina. Perguntei que regras eram estas e ele tentou responder, até reconhecer que era difícil prosseguir, “uma vez que todo velejador sabe”.

O veleiro é como um instrumento de música; você tem que saber afinar primeiro; um violão desafinado, por exemplo, poderá fazer barulho ou ruído, nunca música... O mesmo quanto ao barco: temos que afiná-lo (regulá-lo) primeiro, antes de velejar.

Se você perguntar a um velejador por que o barco anda contra o vento, qual a proa que fornece a maior velocidade, qual a proa que fornece a maior componente de velocidade diretamente contra ou a favor do vento ou qual a função de uma peça qualquer do barco, ele responderá sem titubear; porém, poderá estar certa ou não a resposta. Se estiver errada, o velejador não a deu de má fé; ele realmente “imagina” que está certo, embora com natural dúvida íntima a incomodar, uma desconfiança interior que ele ainda não encontrou tempo de sanar, ou que ainda não quis.

Seria melhor confessar a falha, mas como ele presume que quem está perguntando entende pouco do assunto, arrisca um chute qualquer.

Muitos velejadores, em várias ocasiões, inclusive estrangeiros até com grandes travessias e mesmo volta ao mundo realizada, revelaram ter conhecimentos básicos insuficientes.
Insuficientes ou diminutos para o que já tinham realizado. E, coisa importante: não tente dizer a algum velejador estrangeiro que ele está errado, a não ser que ele pergunte.
Acho que nem é tanto por ser estrangeiro...

Um canadense, que encontrei em Salvador, não sabia que a declinação magnética pode ser oeste ou leste: continuava pelo mundo “corrigindo” da mesma forma que lhe ensinaram na partida, na baía de Vancouver. Mostrei-lhe o erro e ele desdenhou; naturalmente imaginou que, já tendo dado a volta ao mundo, não era possível estar errado.

Um francês em Natal, com um belo barco de alumínio mantinha o traveller amarrado no centro do trilho, por não ver função para o mesmo; quando perguntei como ele conseguia dar o formato apropriado na vela e depois ajustar o ângulo de ataque sem grandes modificações do formato, ele respondeu que o formato da vela já vinha de fábrica, e a escota funcionava bem, levando a retranca para fora; o traveller era coisa de regatista.

Quem era eu pra querer contestar...?
Coisa de regatista, não tenho a menor dúvida, mas adotada por todo cruzeirista que pense em velejar corretamente, tirando todo o proveito do barco, velejando bem...

Um suíço, em Noronha, não sabia que no hemisfério sul, o triângulo de posição tem o polo sul como um dos vértices (o polo elevado): continuava a “resolver” o triângulo com o polo norte como vértice, como tinha aprendido; estranhava os resultados, não atinando com o erro. Mas, como estava interessado em saber porque só no Brasil a navegação não estava dando certo, foi fácil mostrar que ele estava quase certo...era só mudar o polo.
E já tinha chegado pelo menos até Noronha...

Velejar corretamente, portanto, abrange uma vasta gama de pequenos conhecimentos, que poderemos alcançar durante muitos anos ou encurtando o período de aprendizagem por meio de leitura e ou, principalmente, em cursos.

Um americano, em Buenos Aires (como noticiado pela revista Náutica) esperou quase um ano por um GPS novo para poder zarpar; não sabia navegar de outra forma. E só servia o modelo antigo, que ele sabia operar, embora já estivesse ultrapassado e fora de linha.

Mas, em contrapartida, muitos brasileiros também passaram com os travellers amarrados no centro do trilho; desde que com as velas içadas, o barco “andava” para a frente, o que era suficiente para chegarem...

Correção da proa para compensar a corrente? Isso ele fazia no sentimento, no instinto.
Vmg? Isto é coisa de gringo...

Falar em utilizar computador, carta e GPS para o planejamento de um cruzeiro soa a eles como gozação, no mínimo. Planejar cruzeiro? O cruzeirista sai por ai... vivendo de brisa. Pescando, etc., o planejamento tira a poesia da velejada...
Vi alguns velejadores americanos vangloriarem-se por utilizarem guias rodoviários, de distribuição gratuita, nos cruzeiros ao longo da costa; pra que gastar dinheiro com cartas náuticas? É claro que os guias rodoviários americanos indicam muita coisa importante, atualizadas, principalmente da Atlantic Intracoastal Waterway (de que falaremos mais adiante), mas não substituem as cartas náuticas e muito menos os guias publicados e atualizados periodicamente.

É incrível, mas existem.

Certa vez, eu estava em Búzios quando ouvi numa emissora de rádio a notícia que ia realizar-se na Ilha Grande, no Abraão, o primeiro encontro de cruzeiristas. Resolvi aproveitar o vento e ir até lá para participar do evento e, na certa, encontrar velhos conhecidos e amigos. Velejei direto até o Abraão, passando ao largo do Rio, vendo o clarão da cidade de madrugada.

Durante o percurso, sempre com a rapala à reboque, fisguei muito peixe, a maioria dourados e bonitos de bom tamanho e que eu ia limpando e aproveitando só o filé, salgando, deixando curar e fritando. No final, estava com um balde cheio de peixe frito.

Iria ter que consumir peixe por muitos dias, em todas as refeições, inclusive no café da manhã, como sempre gostei. Cheguei no Abraão na véspera do encontro, escolhi o local de fundeio, jantei (peixe escabeche, claro) com um bom vinho e começava a querer preparar para dormir quando avistei as luzes de um veleiro chegando, noite clara de lua. Resolvi aguardar um pouco mais. Fundearam próximo e vieram remando no inflável. Eram dois rapazes e estavam com fome e sede; comeram quase metade do balde de peixe com café e pão. O que tinha acontecido é que um deixou para o outro (e vice versa) a missão de embarcar a água e as provisões... Eles tinham vindo de Ubatuba. Fiquei imaginando se algum vento retardasse de muito a velejada, como eles iriam se virar? Não deu outra; nessa madrugada, chegou muito barco e antes do amanhecer deu uma ventania repentina, um NW como só acontece por lá, dando muito trabalho, barcos sendo arrastados, uma pauleira, etc.
Sorte desses dois marinheiros que chegaram antes dessa ventania, do contrário teriam sido empurrados para alto-mar...

O brasileiro é muito versátil, mais vivo no raciocínio em geral e pega o jeito sem grande esforço: alertado para os detalhes e a maneira prática de obter os ajustes, em pouco tempo já o está dominando, para desespero dos gringos. Mas a malandragem impera: é péssimo leitor, não gosta de estudar, fica estagnado num patamar que acha que quebra o galho... e fica satisfeito por longo tempo; uma regata é sempre divertida; pra que complicar?
Em conseqüência, perde muito tempo para progredir nos conhecimentos...

Um amigo me convidou para assistir uma palestra de um navegador brasileiro, que dissertou sobre os percursos realizados pelo mundo afora, Caribe, ilhas do Pacífico, etc., uma interessante palestra. No final, um dos presentes, perguntou qual a rotina de navegação que ele adotava, como ele realmente fazia a navegação. Depois de explicar que tinha, além da bússola de governo e uma de reserva, declarou que tinha dois GPS, o que era suficiente. Depois, mostrou um moderno e belo sextante, acrescentando que, no entanto, não o utilizava, pois era muito complicado. Perguntei se queria vender; ele riu e respondeu que "ainda não...”

Ele tinha, naturalmente o desejo de aprender, mas como tinham lhe dito que era coisa muito complicada, acreditou...principalmente por comodidade.

Levei muito tempo para aprender muita coisa fácil, muito pouca fonte de consulta no nosso idioma e as revistas e livros estrangeiros muito caros por aqui; os ajustes básicos de vela, poucos sabiam, ninguém parecia se interessar... todos achavam que aprenderiam por passe de mágica ou coisa parecida...

Velejei muitos anos sem saber exatamente o que estava fazendo; ajustava “da melhor maneira possível”, no olhômetro, achando que devia estar certo; mas intimamente eu desconfiava que não podia ser assim, de orelhada. Alguma coisa me dizia para usar o bom senso... As tentativas que fiz para melhorar os ajustes sempre caíam no caos, uma infinidade de possibilidades, milhares de ajustes... Terminava dando uma tensão qualquer nas adriças e escotas, suficientes para o barco andar. Reconheci que teria de fazer um curso de vela para recuperar o tempo perdido, adquirir livros básicos, revistas, aproveitar as horas fora do barco para “velejar” na experiência alheia...

Quando tive a oportunidade de freqüentar um meio náutico, num iate clube, e comecei a ter contato com a técnica de vela, fiquei assustado com a quantidade de coisas que teria de aprender (a garotada era fera, e eu, velejador antigo, boiando...); passei a pesquisar em revistas, em livros, a puxar pelos amigos mais experientes, freqüentar com assiduidade a escola de vela do clube, a praticar em simples passeios e nas regatas o que ia aprendendo.

Comprei um Sharpie em boas condições, baratinho (ele tinha deixado de ser olímpico), barco difícil de dominar: tinha uma área vélica enorme, de algodãozinho mercerizado, mastro de madeira e de carangueja; sua principal característica era rasgar a vela com extrema facilidade; rapidamente fiquei fera em corte e costura, principalmente.

Numa simples velejada de fim de semana, podemos observar bem as diferenças entre regatistas (ou regateiros, como dizem alguns) e cruzeiristas.

A principal diferença é que o regatista parece nunca estar satisfeito com o ajuste, nunca deixa de prestar atenção na velejada, mesmo que esteja em cruzeiro ou num simples passeio. Está sempre reajustando alguma escota ou adriça, olhando as birutas, prestando atenção às rondadas, olhando as rajadas (elas são vistas com grande antecedência), às marolas, de olho nas lanyards, enfim, com a atenção sempre ligada ao rendimento do barco. Mesmo em simples velejadas curtas.

É claro que como os ajustes são cíclicos e como um ajuste aqui altera uma característica ali, que tem de ser retocada, etc., nunca poderá parar de reajustar, e mesmo sempre o vento ronda, começando tudo de novo. E isto tudo é feito com imensa satisfação, vendo o barco ganhar velocidade. Nas grandes regatas, a função é desmembrada por vários tripulantes que atuam como se fossem um único homem: o timoneiro, o trimmer, o proeiro, os das catracas, o estrategista, o navegador e o comandante coordenando e decidindo.

Num eslupe, são cerca de 18 ajustes iniciais antes de reiniciá-los, de maneira cíclica, isto é, quando termina o último ajuste, recomeçamos a afinação desde o primeiro item, nunca terminando. Principalmente se houver uma rondada, por menor que seja.

Os simuladores de regatas são muito bons para facilitar o aprendizado, uma vez que mostram as ações de cada ajuste; são ótimos para estudo. Deve ser escolhido o simulador que permita uma grande quantidade de ajustes, como será visto ao longo do livro (ajustes básicos). Não devem ser encarados como um mero jogo; você obterá a velocidade máxima do barco se conseguir um ajuste perfeito; o barco com que você competirá no estágio “principiante” é ajustado para a média (average): depois, vamos aumentando o grau de dificuldade.

O cruzeirista pode se dar ao luxo de ser mais lento nos ajustes.


O inglês classifica os velejadores em três categorias:

o de regata (racer saylor);

o de cruzeiro (cruizer saylor);

o day-sailor, o que pratica o esporte, a arte de velejar, por curtos períodos, sem se afastar muito do local onde tem o barco.

E dentro de cada categoria há inúmeras classificações, sem incluir, é claro, as da gozação da turma de vela...

Em qualquer destas categorias, encontram-se excelentes velejadores, que acharam as maneiras de conciliar o esporte com suas obrigações diárias, suas formas de vida.

Em conseqüência, pelo menos três espécies diferentes de barcos sobressaem, cada um com seus usuários e admiradores.

Apenas os barcos de cruzeiro não são muito fácil de achar; a maioria dos barcos de fábrica são das outras categorias, por serem os de maior procura.

Você ou terá sorte de achar um bom barco de cruzeiro ou terá que construí-lo; um barco de regata, em geral, só poderá ser adaptado para cruzeiro se tiver comprimento de 32 pés para cima.

Poucos começam a velejar com a intenção de iniciar longos trajetos, logo de saída.
A vida impõe suas regras e precisamos cumpri-las direitinho; poucos podem dispor de tempo suficiente para longos percursos.
A não ser em alguns casos especiais, dos bem aquinhoados pela sorte, a iniciação é feita em barcos para navegação interior, progredindo ao longo do tempo, até a decisão de passar para o barco de oceano.

Assim, não se deve cometer o erro de não querer assimilar algum assunto novo por não achar utilidade imediata; você certamente será atraído pelo canto da sereia...

A partir de Marchaj (C.A . Marchaj, cientista da NASA e velejador, autor de muitos artigos em revistas e de vários livros, como “Sailing, Theory and Pratice”, “Aero-Hydrodinamics of Sailing”, e “Seaworthiness - The Forgoten Factor”, da International Marine), a compreensão e o ensino da vela se transformaram. Ele introduziu as modernas teorias aerodinâmicas à vela, e demonstrou muitos detalhes incompreensíveis, que “contrariavam a teoria”, como porque o catamaran andava mais rápido que o vento, contrariando as leis da física; parecia, apenas.
(Aqui, só analisaremos o comportamento dos cascos não-planantes).
No livro mais recente de Marchaj: "Seaworthiness - The Forgoten Factor", primeira edição em 1987, são tecidas considerações sobre barcos "modernos", coisas muito importantes, mas que são escondidas pela maioria dos construtores de "máquinas de regata". E o livro é desdenhado pela mídia, a despeito das verdades que revela; é o poder econômico...

Na Fastnet de 1979 morreram quinze regatistas e o veredicto sobre a maioria dos acidentes responsabilizava os projetistas e os fabricantes, a má qualidade marinheira dos barcos, construídos de acordo com as regras da IOR, que incentivam a construção de barcos cada vez mais perigosos:
deslocamento leve;
grandes bocas;
fundo achatado;
pequenas áreas laterais do convés;
centro de gravidade alto;
borda livre alta.

Todos estes fatores beneficiam a velocidade, mas reduzem drasticamente as qualidades marinheiras do barco, penalizando a segurança, principalmente.

De acordo com Marchaj, "não há um só item das regras da IOR que seja favorável à qualidade marinheira do barco".

O inquérito sobre a Fastnet de 1979 concluiu que certas falhas de projeto contribuíram para o grande número de capotagens de 360º, e Marchaj declara que não foi dada a devida ênfase ao fato, por motivos que são óbvios...
Em 1998, outra lenha, os barcos continuaram a ser os culpados dos acidentes, mas tudo continua como dantes...
Mas o problema mais grave é que as fábricas reduzem a espessura do casco sem acrescentar os reforços necessários, por medida de economia, resultando que hoje os barcos são verdadeiras casquinhas de ovo, velozes, mas perigosos; não agüentam mar.

O plástico reforçado com fibra de vidro, ou simplesmente fibra de vidro, é realmente um material fantástico, sob a maioria dos aspectos; é o melhor material que surgiu até hoje e o boom da indústria náutica se deveu à facilidade de construção dos barcos, da durabilidade da fibra de vidro (praticamente, como o vidro, de duração ilimitada), de suas qualidades mecânicas e da facilidade de manutenção. Principalmente agora, com reforços de fibra de carbono, etc.

Todos os exércitos do mundo usam capacetes de “aço”, que são de fibra de vidro; os famosos coletes de aço, à prova de bala, são de fibra de vidro; e assim vamos por aí afora, num sem número de aplicações: todos os barcos de outros materiais, são acabados com fibra de vidro, principalmente como proteção das obras vivas: de tanto usar a fibra, esses barcos terminarão sendo de fibra...

É claro que outros materiais irão surgindo, mas até hoje nenhum se igualou à fibra de vidro em qualidades gerais e principalmente em facilidade de manuseio, de fácil manutenção.

A fibra de vidro sob a forma de C-Flex, uma espécie de espartilho de mulher, em rolos de 250 pés de comprimento, contínuos, permite a construção mais rápida de um barco: é só fazer a “gaiola” em ripas de madeira de segunda, cobrir com o C-Flex e resinar. Está pronto o casco.
A fibra de vidro atualmente está mais cara, ou melhor, não é o mais barato material; mas esta desvantagem inicial de construção em fibra é amplamente compensada pelo baixo custo da manutenção ao longo dos anos, décadas e mais décadas.

Bem construído, um barco de fibra é indestrutível; mesmo os acidentes mais graves são fáceis de reparar.

Enquanto o gusano come a madeira, a oxidação e a corrosão eletrolítica destroem os cascos de metal, a fibra resiste a tudo, inclusive ao abandono.

No entanto, o que importa é estar n’água, não interessa o material de que é feito o barco: é melhor estar velejando numa jangada do que ficar em terra esperando a oportunidade daquele barco maravilhoso chegar...

Tenho visto barcos muito bons de outros materiais; os barcos franceses de alumínio são um exemplo. Em Manaus, visitei uma fábrica de excelentes barcos de alumínio.

Em Salvador, vi barcos de madeira muito bons, construídos no processo clássico.

Os barcos construídos no processo de moldagem à frio, com folheado de madeira e resina epoxi, ficam muito bons, confiáveis.

No entanto, parece que barco apareceu para ser de fibra de vidro...

Experimente fazer um quadro-resumo com as características dos barcos mais vendidos no mundo (e anunciados nas revistas), numa faixa larga de comprimento, em torno do que deseja: comprimento, boca, calado, deslocamento, material do casco, autonomia, preço.

Consulte projetistas, analise seus projetos disponíveis, argumente, tire dúvidas.
Roberto Barros (o Cabinho) fornece um folheto detalhado dos projetos disponíveis; o Bruce Roberts, Glen-L, idem; todos anunciam nas revistas náuticas e fornecem folhetos e plantas de estudo.

Muitos candidatos à construção particular do barco me perguntam se hoje eu fosse construir que projeto e material escolheria. Como estou a pelo menos dezoito anos fora do assunto específico “construção”, fica meio difícil responder; mas seguramente eu tornaria a consultar todos os projetistas que anunciam nas revistas e faria um estudo detalhado de todos os projetos disponíveis nas faixas de comprimento e preço. Porém, não resta a menor dúvida que escolheria a fibra de vidro, mesmo que ela fosse a curto prazo um pouco mais cara. E o comprimento seria em torno de trinta pés, sem dúvida.

Ao completar dezoito anos velejando, o Krum II necessitou de uma reforma geral: estaiamento, esticadores, fuzis, parafusos dos fuzis, enrolador de genoa, reservatório de óleo diesel, caixas d’água, rede elétrica inclusive quadros de comando e chaves, bomba de porão, parafusos das catracas, parafusos do pé-de-galinha, âncoras e correntes, fogão, acrílicos das vigias, velas, etc.etc., uma enormidade de pequenos itens, inclusive vários equipamentos eletrônicos, cujo montante logo se afigurou impossível de realizar em curto prazo.

Passei mais a efetuar cruzeiros nos barcos dos amigos e ia tocando a obra conforme as disponibilidades. Eu mesmo executando tudo, com auxílio esporádico dos filhos, quando dispunham de tempo.

O casco, porém, inteiramente irrepreensível; apenas a manutenção periódica: pintura anti-incrustante, etc. Está novo, pronto para velejar por mais outros tantos anos, ou mais...

É claro que perdeu aquela pinta de barco novo, branquinho, brilhante, etc., mas para mim ele ficou mais bonito, mais marinheiro.

No final da obra de reforma, lavei-o com uma solução de ácido oxálico (cristais) dissolvido em água para tornar a fibra de vidro branca como nova. Ácido oxálico é geralmente conhecido como “sal de azeda”. É barato e vendido em casas de produtos químicos; você mesmo prepara a solução. Depois de esfregar com um pano limpo, lavar com bastante água. É um dos “segredos de manutenção” do casco...

No início do emprego da fibra de vidro na construção de barcos, os amantes da madeira, que era a maioria, argumentavam que ela era como a galalite (que era um plástico fraco, quebradiço, que surgiu durante a I Grande Guerra mundial); passados trinta anos, eles ainda vinham com os mais esfarrapados argumentos, a despeito das provas em contrário, com a indústria maciçamente empregando a fibra de vidro, difundindo o esporte.

Em 1975, uma revista americana (Motor Boating & Sailing, se não me falha a memória) publicou um artigo muito bem fundamentado e com argumentos “científicos” muito bem bolados, sobre o teredo que atacava a fibra de vidro, como o gusano na madeira: era a terrível poliestermita.
Eu estava chegando para uma longa permanência lá e já estava com a garagem de casa cheia de kits de fiberglass, epoxis, poliesters, microbaloons, catalisadores, aceleradores, ferramentas as mais variadas, etc.etc., tudo para estudo, já que aqui no Brasil o assunto era tabu, enquanto lá era encontrado em qualquer boteco.

Com a simples leitura do artigo, senti um frio na barriga; fiquei inconformado. Li e reli várias vezes; numa delas, vi que era pura gozação. Mas muitos leitores não “sintonizaram” com a brincadeira da revista, ou por terem tomado conhecimento por conversas ou por não terem prestado atenção suficiente durante a leitura, e a gozação no clube foi grande: o pessoal dos barcos de madeira baixou em cima dos de barcos de fibra, cujo principal argumento era estarem livres de gusanos. Depois, a poliestermita causou grandes gargalhadas durante vários meses...